Não nasci de tablet ou celular na mão. Para ser sincera, nunca tive tablet e me senti muito high tech quando comprei um Kindle. Ao contrário das crianças de hoje em dia, o aparelho celular entrou na minha vida na adolescência, quando fui estudar fora do bairro e meus pais julgaram importante ter mais um jeito de falar comigo. Naquela época, esses aparelhos eram usados apenas para fazer ligação.
O computador chegou em nossa casa quando fiz quinze anos, presente de aniversário do meu pai. A conexão discada exigia paciência habitual para aqueles tempos, uma demora impensável na atualidade. Está tudo tão rápido e esperar um pouco mais chega a provocar aflição. O contato modesto com a tecnologia durante a infância e a adolescência me constituiu esse ser analógico, que se esforça para acompanhar as possibilidades do mundo digital.
Enquanto escritora, meu processo de criação ainda está muito atrelado ao papel e à caneta e o nascimento dos textos, na maioria das vezes, passa pelo fluxo persistente da escrita à mão. Depois, digito o rascunho no computador, onde me dedico às etapas de reescrita e edição. Mais do que isso, o suporte pensado para as criações é, geralmente, o livro ou páginas web.
Em março deste ano, comecei a cursar a disciplina “Literatura e outras linguagens”, do Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem (PPGEL), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Ministrada pelo professor Vinícius Carvalho Pereira, a disciplina tem me dado a oportunidade de repensar a maneira como faço literatura e os estímulos usados para isso.
Além da leitura e discussão de artigos acadêmicos, tenho me surpreendido com a análise de produções da literatura digital e percebido a predominância da poesia nessas iniciativas. A partir das aulas, me pego lembrando dos casos apresentados e tenho estudado formas de desenvolver narrativas de literatura digital em que a prosa esteja em destaque.
Entre os casos que analisamos até agora, me encantei com a proposta da autora Júlia Debasse nos trabalhos De onde vieram os homens que eu beijei, De onde vieram os homens que eu amei e De onde vieram os homens com quem dormi. As histórias que fazem parte dessas obras são contadas através de localizações no Google Maps, numa experiência de navegação e leitura.
Nesses projetos, destacam-se a hipertextualidade e a interatividade, permitindo uma experiência de leitura rizomática, que se expande em muitas direções e dispensa a linearidade.
Quando olhamos para as produções de literatura digital disponíveis no Brasil, percebemos que a proposta da Júlia Debasse não parte de algo tão elaborado, porém, busca subverter os usos de uma ferramenta que, inicialmente, foi pensada apenas para ajudar pessoas a se locomoverem. Então, alguém chega e sugere: e se a gente usasse esse suporte para contar histórias? Que histórias podem ser contadas por meio dele?
Mais do que subverter a linguagem, as iniciativas passam, no campo digital, pela subversão dos meios e de seus usos. Conhecer os trabalhos da Júlia e de outros autores tem sido um refresco, a oportunidade de ser levada por novos caminhos, experimentar mergulhos mais profundos nesse mar imenso que é o digital, em que me sinto um pequeno peixe analógico desbravador.
2° Congresso Internacional de Literatura Digital LitDigBR
Na quinta-feira (16/05), participei de uma mesa no 2º Congresso Internacional de Literatura Digital - LitDigBR, realizado na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). A partir da mediação da Lívia Bertges, poeta e professora, eu e Caio Ribeiro falamos das nossas experiências de escrita e dos impactos do digital nas nossas produções e na literatura produzida em Mato Grosso.
Foi ainda uma oportunidade de destacar o trabalho de criação do Acervo de Literatura Digital Mato-grossense. Coordenado pelo professor Vinícius Carvalho Pereira, o projeto reúne obras que evidenciam como as tecnologias e mídias computacionais têm sido apropriadas criativamente por artistas no estado.
Participei dos três dias de evento e foi inspirador. Após esse mergulho profundo, me sinto um peixe menos analógico. ^^
A Malabarista indica:
O episódio desta semana do podcast “Rádio Novelo Apresenta” conta a história do escritor Moacir Fio. Após uma conversa com amigos sobre “Poesia de Instagram”, ele se desafiou a criar um perfil para provar que “qualquer um” é capaz de fazer sucesso nas redes, usando como receita a divulgação de poemas curtos, simples, de fácil identificação. Ouça o episódio abaixo para saber se o autor venceu o desafio e as mudanças que isso proporcionou nas concepções dele sobre escrita e literatura.
SOS-RS:
Acompanho, com muita angústia e tristeza, as consequências das enchentes que atingem o Rio Grande do Sul, estado brasileiro onde morei parte da infância e tenho amigos e parentes queridos. Angústia e tristeza são passam sozinhas. Há revolta diante do descaso das autoridades competentes e das tentativas de enfraquecer, cada vez mais, as legislações ambientais (estaduais e federais).
Convido à leitura do texto da escritora Júlia Dantas, que mora em Porto Alegre e teve a casa alagada pela enchente.
Diante de tanto prejuízo, é fundamental que cada um siga ajudando como pode, mantenha as doações para as iniciativas nas quais confia e, mais importante: reflita sobre as consequências de suas decisões políticas, especialmente aquelas tomadas nas urnas.
Temos eleições municipais este ano. O que defendem os nossos “ilustres” candidatos?
Incrível o trabalho da Julia, obrigada por compartilhar. Suas dicas são sempre muito preciosas pra mim. Quero muito acompanhar esses seus atravessamentos de mares, peixinho analógico.
E Lari, como se define a literatura digital? Digo, o que entra nesse barco?