Visitar livrarias faz parte dos meus roteiros de viagem. Em recente ida a São Paulo, para participar do Elas Publicam, fiz questão de passar uma tarde numa livraria do Centro da cidade. Minha preferência é sempre por lojas pequenas, com curadoria especializada.
Após o passeio pelas prateleiras, separei seis obras e me sentei para folheá-las. A intenção era levar todas comigo, mas a consulta dos preços mudou os planos. O livro mais barato custava R$ 69,90. Muito se fala sobre os preços dos livros no Brasil e o valor deles é tratado como um obstáculo à prática da leitura.
Mas será que os livros realmente estão mais caros em nosso país?
Segundo dados do Painel do Varejo de Livros no Brasil, os preços seguem estagnados se comparados ao índice da inflação dos últimos anos. Ou seja: o problema não é o valor das obras, mas o poder de compra do brasileiro que, de fato, foi achatado. E se comprar livros físicos está mais difícil diante das prioridades do cotidiano, existem alternativas para manter a leitura em dia. Sebos, bibliotecas públicas e a aquisição de livros digitais estão entre elas.
A cadeia de produção do livro
Nos próximos meses, um novo livro escrito por mim chegará aos leitores. Ele se chama Tempos íntimos, é um livro de contos e foi selecionado para publicação pelo edital Estevão de Mendonça, uma iniciativa do governo de Mato Grosso. Tornar esse projeto uma realidade não é conquista individual.
A criação de uma obra literária movimenta toda uma cadeia formada por profissionais que precisam ser remunerados (bem remunerados, de preferência). Vou citar o meu livro como exemplo. Trata-se de um projeto de obra ilustrada, que reúne 24 contos. Após terminar as histórias, enviei os textos para a ilustradora Dani Dias. Ela produziu um desenho – em aquarela – para cada um deles. Tivemos encontros para discutir as propostas de desenho, avaliar esboços, pensar as cores predominantes. E a Dani dedicou seu tempo, conhecimento e talento para fazer um trabalho primoroso.
As histórias escritas por mim passaram pelas mãos de duas mulheres antes de chegarem à versão final, enviada à diagramação. Inicialmente, contei com a preparação e edição da Dani Costa Russo, de quem recebi sugestões fundamentais para lapidar os textos. Depois dela, foi a vez da Eduarda Rimi se encontrar com os contos para revisá-los. O projeto gráfico/diagramação é assinado pela Karina Tenório.
Contando comigo, foram cinco mulheres empenhadas em trazer a obra ao mundo, dando a ela o melhor acabamento possível (em todos os sentidos). Agora, com o livro perto de se materializar, mais pessoas serão envolvidas nos trabalhos de cunho comercial, voltados à divulgação e vendas. A expectativa é que Tempos íntimos chegue ao mercado com um valor aproximado de R$ 50. Isso é caro ou barato, levando em conta toda a trabalheira e a qualificação das profissionais envolvidas?
Além disso, é necessário pontuar os custos gráficos (de impressão), especialmente altos no Brasil. Ao ser selecionada pelo edital de fomento Estevão de Mendonça, recebi um aporte de R$ 40 mil e ele foi integralmente usado para viabilizar o projeto da maneira como planejado: ilustrações + preparação/edição + revisão + diagramação + outros custos da editora (Penalux) + impressão (etapa que representou mais de um terço do valor investido).
Qual o preço justo a ser cobrado por todo esse trabalho de forma que o acesso à obra não seja inviabilizado?
No fundo, é uma conta difícil de fechar, tenho visto na prática.
Do começo
Minha primeira experiência de publicação começou em 2021, quando decidi me inscrever numa chamada de originais promovida pelo Selo Auroras, da Editora Penalux. Eu tinha escrito uma série de contos inspirados no período em que eu e minha família moramos num posto de combustíveis de rodovia. Embora naquele momento os textos não estivessem do jeito que eu gostaria, resolvi mandar como forma de me colocar à prova, para ver se as histórias chamavam a atenção de alguém.
E chamaram!
Meu original foi selecionado e demos início ao processo de edição, num trabalho orientado pela Dani Costa Russo, curadora e editora do Selo Auroras. Ali nascia “A casa do posto”. Um ano se passou entre a notícia da seleção e a publicação da obra, período em que eu e Dani trabalhamos na reescrita dos contos, acompanhamos as revisões de texto e do projeto diagramado.
Muita gente me pergunta o que investi e o que ficou por conta da editora. Na maioria das chamadas de originais, as editoras assumem os custos das etapas de edição e impressão, cabendo aos autores se empenharem para que a obra atinja uma cota mínima de exemplares comercializados na pré-venda, destinada a cobrir os custos básicos desse trabalho. No meu caso, a cota era de 50 exemplares, o que consegui alcançar com facilidade.
Pré-vendas não foram criadas aleatoriamente. Ao adquirir um livro nesse momento, você desempenha um apoio estratégico para a concretização do projeto.
E como funciona a aquisição de remessas da obra pelo autor/autora?
Isso é determinado no contrato, onde as editoras estabelecem descontos gradativos (20%, 30%, 40%… a depender do número de exemplares comprados). Você compra mais barato, revende pelo valor de capa e fica com a diferença.
No meu segundo livro, mantenho a parceria com o mesmo selo, da mesma editora, mas sem a necessidade de me preocupar em cobrir custos, já que todos eles foram pagos com os recursos do edital.
Se as chamadas de original forem um caminho interessante pra você, sugiro que comece a pesquisar editoras, converse com autores que publicaram por elas e acompanhe os canais de divulgação para saber os períodos em que as seleções acontecem. Boa sorte!
Elas Publicam
Ao longo da programação do Elas Publicam: 4° Encontro de Mulheres do Mercado Editorial, realizado em março deste ano, no Instituto Goethe (em São Paulo), foram discutidos temas como a construção da carreira literária, agenciamento, engajamento e ampliação de público, literatura voltada às infâncias, o papel das editoras no mercado, o uso de tecnologias e inovações, direitos autorais e marketing para escritoras.
Eventos como esse são ótimas oportunidades para aprender e trocar experiências, o que é essencial para quem deseja se profissionalizar enquanto escritora. Entre cafés e conversas nos intervalos da programação, conheci mulheres de diversos lugares do Brasil e compartilhamos histórias, expectativas, planos e sonhos.
Se o caminho é a profissionalização, conhecer o mercado editorial é ganhar autonomia, o que facilita tomar decisões, escolher os rumos que queremos trilhar. O nascimento de um livro pode acontecer de maneiras diferentes: há quem opte por assumir todo o processo e se autopublicar; outros preferem editoras independentes, com trabalhos mais personalizados; alguns deixam os materiais engavetados até o surrgimento de concurso/edital.
Independente do caminho definido, para quem está no começo é importante respeitar as etapas e garantir que a obra seja entregue ao público após um processo de edição, destinado a melhorar o texto e, consequentemente, a experiência dos leitores. Uma reclamação comum entre escritores é a experiência com gráficas fantasiadas de editora, que publicam os materiais da maneira como eles chegam, sem dar aos autores a oportunidade de aprender ao longo do processo de edição.
Crescemos muito quando vivenciamos as etapas e isso fortalece nosso trabalho, nos capacita para os próximos, nos profissionaliza.
Físico ou digital
Entre as opções de publicação, plataformas como a da Amazon (KDP) são cada vez mais usadas por quem deseja experimentar as relações com leitores sem precisar de grandes investimentos. Durante o Elas Publicam, autoras como Juliana Dantas, Lola Belluci e Dayane Borges compartilharam os desafios de quem decidiu fazer do digital o seu universo literário. Quando desejam imprimir remessas de livros físicos, essas autoras promovem campanhas de arrecadação para tiragens limitadas, enviadas aos apoiadores com brindes exclusivos.
Fora do eixo?
Estar distante dos grandes centros torna ainda mais complexa a atuação de uma escritora. Em poucos dias em São Paulo, pude participar de alguns eventos sobre literatura e precisei abrir mão de outros em razão do conflito de horários. Quando as opções são muitas, a gente precisa escolher. Não é tarefa fácil para quem vem de lugares em que as opções nesse sentido são escassas.
No Elas Publicam, a mesa com Taylane Cruz e Dia Nobre sobre “Corpos descentralizados: mulheres que escrevem fora do eixo” reforçou reflexões que me acompanham: independente de onde eu esteja, que o meu trabalho como escritora seja genuíno. Entre as notas que tomei, a frase da sergipana Taylane toma uma página inteira do caderno:
Tenho muita consciência do lugar no qual estou inserida. Eu não escrevo fora do eixo, eu escrevo de dentro do meu eixo. (Taylane Cruz)
Ter consciência desse eixo é essencial, pois é ele que nos sustenta enquanto mulheres e escritoras. A partir dele, conduziremos nossos projetos, personagens e histórias. Eu escrevo porque acredito na força das narrativas que vivem dentro de mim e porque penso que, de alguma forma, elas podem encontrar ressonância em outras existências. O primeiro passo é enxergar, com clareza, esse eixo próprio.
Publicar tem um custo financeiro, mas não para por aí. É algo que exige energia e nos consome emocionalmente. Portanto, enquanto a hora da publicação não chega, se dedique ao que importa: fortaleça tuas habilidades de escrita, faça cursos e oficinas, escreva mais, leia mais. O resto se encaminha.