Os produtos desta loja são ultrapassados, cara de cidade pequena. Eu costumava vir aqui com frequência na época em que Fernando e eu namorávamos. Depois do casamento não viemos mais. Veja! A loja não melhorou quase nada, devem ser os mesmos produtos nas prateleiras. Os negócios vão mal? Será que o povo ainda transa? Vi uma pesquisa esses dias, as pessoas já nem acham sexo tão importante.
Eu ia nesse caminho, antes do OnlyFans. Fernando e eu chegamos a ficar meses sem transar, era sempre uma desculpa, minha ou dele. Piorou depois da chegada do Gabriel, o guri vai fazer seis anos mês que vem. Filho muda tudo, né?! É um tal de deixa menino na creche, trabalha fora, trabalha em casa, Fernando na obra o dia todo, eu naquele caixa de mercado. Como é que transa?
Eu sou bonita, sei disso; pensava no desperdício que era todo aquele tempo puxando sacos de produtos, pesando o que era de pesar, registrando os itens pra cobrar a conta. Eu sou bonita demais pra isso. Certa vez um cliente disse que eu parecia modelo, me entregou o cartão de uma agência; o Fernando não gostou, falou pra esquecer aquilo e ainda rasgou o cartão.
Me mostra as lingeries mais safadas que você tem. Quero as mais provocantes, vi alguns modelos no Instagram. Aliás, vocês precisam movimentar aquele Insta, podia rolar uma parceria comigo, prometo seguidores e retorno nas vendas. Fala pra tua chefe me ligar. Amei esse conjunto vermelho, vai ficar demais em mim! Sou gostosa, imagina quando colocar silicone! Não tem conversa, comecei a juntar o dinheiro da cirurgia. Veja só que evolução: consigo juntar dinheiro, nunca fiz isso na vida!
Preciso de lingeries novas para os vídeos que vamos gravar amanhã. Trabalho duro na produção, os conteúdos ficam lindos. Sabe, a gente começou bem desajeitados, um pouco envergonhados, mas eu sempre digo ao Fernando: Foca nos boletos! E não tivemos outro caminho, depois de tentar de tudo, foi o mais vantajoso que apareceu. Fiquei sem chão quando o Seu Henrique me demitiu. Chorei dois dias seguidos; então, enxuguei as lágrimas, passei batom, blush, fui procurar emprego. Foram meses de buscas, entrevista atrás de entrevista, fases e mais fases de processos seletivos que terminavam em “mas”. “Gostamos de você, mas...” “Você é competente, mas...” E nada se concretizava.
Quem me falou do Only foi a Paloma, minha vizinha. “Mulher, você é bonitona, por que não tenta? Se eu tivesse um corpão como o teu, nem perdia tempo”. Passei algumas semanas amadurecendo a ideia, olhando o site pra conhecer, até expor o plano ao Fernando. Falei que era simples, bastava a gente fazer fotos e vídeos se pegando, depois vender o material no site e pronto. Ele refletia, eu argumentava. “Amor, tô desempregada, só fico em casa; você pode sair mais cedo da obra, uma ou duas vezes na semana, e gravamos antes de buscar o guri no colégio”. A conversa não foi pra frente.
Cada boleto que chegava era cuidadosamente depositado na estante da sala, ao lado da TV. O salário do Fernando não cobria as despesas e, sem a minha renda, a pilha de contas só fazia aumentar. Nem o futebol ele conseguia assistir em paz, atormentado pela visão dos boletos, como relaxar? Três meses após a primeira conversa, antes da gente dormir, Fernando me abraçou e sussurrou no meu ouvido: “como funciona esse tal de OnlyFans?” Faz um ano que gravamos o primeiro vídeo, demorou um pouco a engrenar, pra gente se soltar, mas agora tá uma delícia. Voltamos a transar e ainda ganhamos dinheiro com isso! Logo a gente, que nem transava mais.
Se eu disser que fizemos quinze mil no mês passado, você acredita? No próximo ano, o Gabriel estará na escola particular. Agora me ajuda com essas lingeries, preciso de peças incríveis, a gente vai gravar o conteúdo amanhã. Conteúdo, é assim que chamam. O Fernando é azulejista num prédio em construção, vamos pra lá depois que todos forem embora. Pega o conceito: o segurança da obra vai filmar, demos um dinheiro pra ele ser o câmera e ficar de bico fechado. Ele vai passar por andares vazios, em fase de acabamento, paredes no cimento, rústicas, e os gemidos como trilha sonora. Vai entrar e sair de cômodos, subir escadas, até encontrar o casal fazendo loucuras em meio a azulejos, pacotes de argamassa e ferramentas. Pensei numa lingerie branquíssima pra contrastar com o ambiente. Sabe, depois que aderimos ao Only, voltei a achar o Fernando bonito, a ter desejo nele, o sumiço da pilha de boletos ajudou.
E por falar no Fernando, tem áudio dele no Zap.
Mulher, é o seguinte: tinha um peão aqui na obra vendo nossos vídeos. Veio tirar onda da minha rola.. Eu quebrei a cara dele, mulher, quebrei mesmo! Fui demitido, mas lavei minha honra. Vamos viver do Only e acabou!
Gravando...
Demitido, Fernando? Já falei pra relevar esse tipo de comentário. Tá sem trabalho agora. E as fotos na obra? Onde vamos fazer? Esse conteúdo ia bombar!
Moça, tá vendo pra que serve macho? Vou levar esses dois conjuntos, Fernando que arrume um lugar, é o mínimo. Vixi! Agora chegou mensagem do Gabriel.
Mãe, a professora quer saber a profissão dos meus pais. O papai é pedreiro e você?
Gravando...
Gabriel, o papai não é mais pedreiro. Agora é produtor de conteúdo. E a mamãe também. Entendeu. É tudo produtor de conteúdo!
Este texto está em construção. Ele é resultado de um exercício de escrita que faço com frequência. Imagino um local, imagino um ou mais personagens nele, deixo que esses personagens falem o que quiserem, a respeito do que quiserem. Assim me conecto a eles, ouço o que têm a dizer, vejo nascer novas narrativas para lapidar.
Encontrar a voz de um personagem não é tarefa simples. Exercícios como esse me ajudam nessa busca. Em breve, compartilho outras experiências por aqui.
Quem sabe um dia, com fôlego, tento esse exercício. Gostei do conto e do exercício