Encontro com Terezinha Rosa
Crônica-homenagem à farmacêutica que fez história em Cuiabá (MT)
Tenho ensaiado a compra de um colchão. Na verdade, preciso do conjunto inteiro, incluindo a base. E desde que essa necessidade se instalou, comecei a visitar lojas do gênero para conhecer os produtos. As opções são tantas que a tarefa se tornou complexa, porque a cada visita descubro novos modelos, tipos diferentes de molas, tecidos, revestimentos que eu nem sabia da existência. Essa saga me levou a um lugar que não existe mais.
Avenida Fernando Corrêa da Costa, 4.502, onde atualmente está instalada a loja de colchões. O estabelecimento fica na região conhecida como Coxipó, em Cuiabá (MT), mesmo endereço em que funcionou, durante muitos anos, a Farmácia Coxipó. Entrei na loja e, num minuto imenso, fui para outro local. Avistei os balcões, as prateleiras repletas de medicamentos, a balança modelo antigo na qual eu amava subir e descer para ver o movimento dos ponteiros.
Enxerguei também a mulher que tudo curava, a farmacêutica Terezinha Rosa. Em 1992, quando chegamos a Cuiabá, dependíamos totalmente da rede pública de Saúde e, na minha família, a busca por atendimento acontecia somente em casos de emergência. Sendo clara, procurava-se o posto médico somente se a situação fosse grave. Os demais problemas se resolviam com as orientações da Terezinha: gripes, infecções intestinais, dengue, escarlatina, micoses, cortes e outros machucados. Não consigo lembrar de todas as curas que presenciei.
A mulher tinha voz grave e olhar clínico, dotada de habilidades que eu julgava sobrenaturais. Às vezes, bastava chegar perto dela para que os sintomas amenizassem e a gente sentisse um pouco mais de confiança diante da realidade de escassez daqueles tempos. Muito além dos remédios que prescrevia, Terezinha Rosa ouvia com atenção, segurava mãos, dizia palavras de incentivo recebidas pelo corpo como verdadeiras injeções de ânimo.
Por mais de 30 anos, ela esteve atrás dos balcões, prestando assistência aos moradores da região. Com seu falecimento, morreu também a farmácia: eram uma coisa só. Desde então, o prédio tem abrigado diferentes negócios e, atualmente, serve de espaço para a loja de colchões que visitei. Conheci as opções do lugar, anotei as características e valores dos produtos. Embora não tenha comprado a cama até agora, recebi o presente de voltar à farmácia por conta dessa busca.
Terezinha é daquelas pessoas que eu gostaria de ver a história estampada em outdoors, livros, cartazes, filmes. Quase não há registros públicos, nem homenagens, o que provoca em mim certa culpa, aumenta a sensação de dívida porque fui diretamente beneficiada por seu trabalho e conhecimento sem prestar os devidos agradecimentos. Pelo Google, descobri que a mulher dá nome a uma rua desde 2014, em homenagem póstuma aprovada pela Câmara Municipal de Cuiabá. Nada mais!
Quando escrevi meu primeiro livro de contos, A casa do posto, desejei incluir Terezinha na obra. Preparei dois textos que acabaram por ficar de fora da publicação; não gostei de nenhum deles. Relutei um pouco até compreender que ficção alguma daria conta de vida tão grande, ainda que extraordinariamente simples. Rejeitadas as estratégicas ficcionais, me apropriei da crônica para falar do encontro na tarde abafada, quando avistei a mulher com nome de santa, dona de milagres, em meio a colchões e travesseiros.
Nossa, lembrei com saudade das pequenas farmácias de bairro, do almanaque que sempre acompanhava a compra de remédios e na confiança que depositávamos no farmacêutico. Tão bonito que sua lembrança seja simbolizada por uma mulher.